domingo, 10 de abril de 2011

A verdade contida no Homem e a verdade contida no indivíduo

Armando Poli Junior - CEUCLAR - Pólo Campinas
03/04/2011

Sumário

Introdução
I.... A contemplação da essência do Homem e o problema do indivíduo.
II... O exemplo do problema acadêmico
III.. A imagem do Homem.
IV...O Homem-imagem.
V ... A dor e a fuga.
Conclusão – O encontro sem busca.

Introdução
Se a contemplação da essência do Homem se desse de modo absolutamente simples, teria esta contemplação, necessariamente, que constatar algo da essência humana que muitos não a observam e bem poucos tentam inutilmente retratá-la. Refiro-me à verdade.
A reflexão que nos introduz ao tema deste artigo – “A verdade contida no Homem e a verdade contida no indivíduo” – pressupõem que o ser humano universal (daqui por diante Homem), só pode ter conhecido o sentido à sua existência, por nada mais e nada menos do que o próprio indivíduo humano particular.

I - A contemplação da essência do Homem e o problema do indivíduo.
Pergunta: será apenas a partir da contemplação da verdade pelo individuo que se dá o sentido existencial do ser humano que é universal? A partir desta e de outras, vislumbrarei possíveis soluções.
Deste tipo de contemplação provocada pela pergunta inicial já estão repletas as prateleiras de bibliotecas e livrarias com inúmeros gêneros literários. Continuemos, outra pergunta: seriam estas literaturas – que trazem em seu conteúdo verdades já experimentadas por outros – suficientes para o individuo sentir-se adequadamente, completo, equilibrado, coerente e ter enfim a paz?
Ou afinal, a verdade está bem à frente dele? Ou ainda quando caminha ou percorre as ruas com um veículo, o indivíduo então se defronta com a verdade? Ou ela está escondida lá na biblioteca ou na livraria?
Neste ponto há que ser fazer referência ao que Castañon nos diz: “[...] o que é real não é verdadeiro, nem falso, ele simplesmente é.” (2007, p. 15).
Isto posto, se o leitor me permitir dizer, afirmo sem temer de que eu mesmo duvido que a verdade seja fácil de encontrar. Dizem que existe sempre verdades nos gêneros literários clássicos como por exemplo, a Bíblia Sagrada. Tal dizer pode ser enquadrado até como um axioma. Mesmo que um indivíduo não pertença a, por exemplo, um grupo estudantil, ele pode muitas vezes estabelecer leituras que o agradem e que o tranquilizem. Mas será que isto, ainda assim, não se trata de uma maneira contemplativa de ver a verdade do e no outro? – pois estamos nos referindo a gêneros literários.
Vejamos por outras formas de apresentações: tv e rádio. Televisão e rádio são outros meios pelos quais um indivíduo – da mesma maneira que num livro se não mais – estabele conexões contemplativas de verdades.
Pergunto: se a verdade é vista sob esta ótica contemplativa, então seria correto afirmar que tal ótica oferece a solução daquele sentido existêncial do Homem?

II - O exemplo do problema acadêmico
Vejamos uma outra situação-problema muito comum e que se refere ao cotidiano acadêmico: o aprendizado dos alunos – que se não são, então deveriam ser assíduos leitores nem que os de pouca idade lessem apenas gibis. Neste universo acadêmico a leitura deveria ser farta e também todos deveriam congratular-se por sentirem-se completos, repletos de conhecimento, em paz com todos e com uma sensação de equilibrio e responsabilidade que os impulsionam para novos desafios. Mas sabemos que a realidade não nos mostra isso.
Então, vamos ter mais problemas acadêmicos para solucionar? Vamos refletir:
• Seriam os professores mal preparados, ou desmotivados?
• Seriam os professores os detentores de grande quantidade de conhecimento, mas por outro lado com “conjunto vazio” em seus pensamentos?
• Seriam os alunos que manifestam sua inconsciente revolta ao sistema sócio-econômico através de enfrentamentos ao meio em que vivem e estudam e que por fim fragilizam ainda mais o sistema social de nosso país?
Na tentativa de estancar o problema acadêmico para que dessa forma, não cheguemos a invadir outra área, qual seja a sociológica, iremos trabalhar filosoficamente aquele sentido existencial do Homem a partir da idéia básica da qual: educação e filosofia sempre andaram juntas e sempre foram retratadas de forma histórica.
Veremos o que Prado Junior nos diz a respeito desta historicidade filosófica quando ele cita o nome do filósofo Hegel:
“[...] desse confronto realizado por Hegel entre a História e a Filosofia - não a simples aplicação da segunda à primeira, ou vice-versa, como outros muitos já tinham antes realizado, mas a fusão íntima e completa das duas ordens de pensamento - que brotará a concepção genial do filósofo. Hegel inspira-se na História para fazer Filosofia, e na Filosofia para fazer História. [...] graças a ele se articularam pela primeira vez duas esferas até então apartadas: a do Conhecimento (objeto da Filosofia), e da experiência, da prática histórica da humanidade (representada na História)." (1955, p. 368-369)

Aqui o problema acadêmico começa a deslindar-se, visto que a ênfase por uma História bem trabalhada, i.e., bem aplicada aos alunos é falsamente pressuposta pelos próprios alunos como uma “não-verdade”. Resumindo, a História não é aplicada paralelamente com uma análise filosófica sobre o seu próprio conteúdo histórico.
Mas então onde está o problema acadêmico? Nos livros de História? Ou está na Filosofia que na escola não atende às regulações históricas? Numa primeira reflexão, vejo que o problema não está na História, muito embora, já esteve. Quanto à Filosofia, visto que, este tipo de problema ainda teima ser recidivo por não se fazer uma verdadeira filosofia da história, então sempre existirá sua temeridade. Portanto, governo, educadores e pais devem estar sempre atentos para um estudo que prestigie o ser e sua essência, o Homem.
Uma vez que foi estabelecida uma proposta para a solução parcial do problema acadêmico, ainda persiste uma pergunta que potencializa novo problema: como ficará assegurada aquela verdade que dá sentido ao Homem?

III - A imagem do Homem
Como numa abordagem antropológica estabelecerei uma crítica a esta sociedade, que parecerá irônica, mas que circunstanciará de melhor modo o problema da verdade como sentido existencial do Homem.
Se observarmos uma mídia propagandista em que, por exemplo, observa-se o lançamento de um automóvel com os dizeres de que tal carro “provém da alma humana” ou que n’outro exemplo uma instituição financeira bancária ensina a ser e não a ter, então poderia eu imaginar que verdadeiramente estou presente a uma sociedade que dá sentido ao meu ser? O absurdo é tal que indivíduos que observam tais sinais midiáticos, embora saibam que se trata de falácias propagandistas, vão assumindo, dia após dia, uma postura de ser que mais o anula do que o edifica. Esta inversão de postura à qual cada indivíduo vai se adequando também vai confundindo-o. Então, o indivíduo é “necessariamente” lançado dentro da contingência social de uma busca sobre aquilo que já está confundido dentro de si.
Outra característica fabulosamente inventada, no tocante aos relacionamentos, é a de fazer a “experiência do casamento”. Se der certo tudo bem, senão tudo bem também, pois o que importa é que cada indivíduo que busca este tipo de experiência saberá que estará mais próximo de obter um sentido existencial humano, que mais uma vez chamo atenção, já estará confundido dentro dele.
Então quando o indivíduo se vê em uma imagem no espelho de sua toalete numa manhã dominical, pode a princípio estabelecer algumas ações de asseio chegando até ao embelezamento estético. Porém, (como tem um pouco mais de tempo do que em outros dias da semana) se permanecer alguns segundos a mais seu semblante poderá mudar. Poderá ser crítico consigo mesmo. Não poderá, de certo, ficar ainda mais segundos, mas se ficar talvez tente responder a si mesmo sobre porque está ali naquele instante? – ou outra reflexão como aquela rápida reflexão de fim de ano que alguns fazem.
Ele está se defrontando com aquilo que comporta a universalidade do ser humano, seu corpo. Continua... Faz comparações, críticas e análises; superficiais e profundas. Ele procura o que não sabe. Está diante do Homem.

IV - O Homem-imagem
Em muitos outros momentos de sua rotina cada indivíduo se vê em várias imaginações. O interessante notar é que sempre há algo que o coloca de frente a estas imagens. Se não é a mídia com suas propagandas e tragédias, são as próprias ruas com as belas casas e carros; os prazeres do apetite e da sexualidade; também a pobreza com suas doenças e vícios.
Em grau decrescente o individuo vai caindo tanto quanto as energias revigoradas por uma noite de bom sono, também vai se esvaindo ao longo do dia e parece que às vezes ambas energias e por do sol repousam o semblante de alguém que lutou, mas que sempre parece terminar o dia derrotado: “[...] da suprema provação [...] nos silêncios do nosso próprio desespero.” (CAMPBELL, 1997, p. 376).
Cabem também às religiões – portadoras do Homem-imagem que tiram o individuo dessa condição de “desespero” – através de um, não-homem e não-Deus do qual as religiões mostram um modelo ideal, que é retratado para sublimar a própria dor humana, mas que não resolve por si só o problema daquela verdade que desejamos fundar a qual dá sentido existencial do ser humano, o Homem.

V - A dor e a fuga
Existem indivíduos que nem sabem o que é o significado da palavra verdade. Aliás, só tem entendimento de seu significado quando seus raciocínios enfrentam alguma sentença, i.e. , quando os indivíduos comparam aquilo, que por tradição, sempre lhes pareceu verdadeiro com aquilo que lhes pareceu sempre mentira. Só então podem fazer um juízo a cerca de algo. Este juízo cotidiano não representa o significado verdadeiro daquele sentido humano que persiste estar oculto tanto para a imagem do Homem como para o Homem-imagem.
Apesar de tudo, o indivíduo sempre acaba se deparando com o que acha ser verdadeiro, pois é inata no Homem aquela condição de limitada criatura participante de uma existência que tem como referência algo superior e perfeito, Deus.
As irrisórias frustrações cotidianas que potencializam ainda mais as fragilidades corpóreas: doenças; ou se não ocorrendo isto, apenas a noção de envelhecimento ou da chegada da morte, já são condições propícias à manifestação da dor existencial do Homem, donde o indivíduo aí sim vai buscar algo nunca buscado. Muito certamente irá o individuo em busca da liberdade de sua própria prisão existencial, não obstante poderá buscar através da dicotômica paranóia da fuga, fugindo sempre cada vez mais de tudo e de todos, ou de outra forma mais desejosa buscará na maneira justa e eficaz, pelo enfrentamento de sua própria dor, que é a mesma de toda humanidade.

Conclusão – O encontro sem busca
A esta altura, a que somos elevados em nossa reflexão neste singelo artigo, sentiríamos quase que uma obrigação solidária em cooperar com aquele indivíduo até aqui mostrado. Neste ponto, se faz importante a distinção entre o indivíduo particular e Homem universal. Uma vez que, no Homem está representada a universalidade do ser humano e que busca a verdade enquanto que o indivíduo se torna o cooperante único e irrepetível desta universalidade, ou seja, cooperante da verdade.
Assim tornamo-nos contraditórios se cooperarmos com o indivíduo na sua busca pela verdade, uma vez que, o correto é que ele deva transformar sua potência de cooperar em ato que se realizado então vai cooperar com a universalidade humana. Exemplificarei este conceito-problema numa pergunta: como poderei dizer algo que em verdade possa estabelecer no indivíduo sua busca pela verdade do Homem?
Como bem descreve Castañon,
“Vemos constantemente pessoas afirmarem que ‘cada um tem a sua verdade’. Evidentemente, ao pé da letra, esta frase é um absurdo conceitual comum nos dias de hoje. Por definição, se uma verdade é uma declaração adequada sobre algo real, e se a realidade independe da mente dos sujeitos particulares, sua crença particular em que algo é assim ou assado não tem nada a ver com a verdade: ela é, isto sim, uma hipótese sobre a realidade, que pode ser verdadeira ou falsa.” (2007)
A busca do sentido existencial do Homem estabelece impreterivelmente sempre a busca pela verdade quer seja de maneira apenas conceitual ou doutrinária na Ciência e na Filosofia.
No indivíduo, no particular, uma vez que, esteja confundida não pode haver busca por aquela verdade que dá sentido existencial do Homem. Se para esta verdade não pode haver busca então existe apenas encontro. Em relação com essa verdade que dá sentido existencial do Homem, tal encontro só poderá ocorrer pela sua não-busca existencial, i.e., pela negação da sua existência de indivíduo. Visto que, a busca do sentido existencial do Homem estabelece a busca pela verdade, o individuo só poderá cooperar se anular-se àquele Homem e sua finalidade existencial. Neste deixar de ser-se, quase na eminência de sua própria desintegração física e espiritual, mas ainda vivo o indivíduo, consubstancia-se à essência do ser humano – àquele Homem universal. É neste único momento que cada indivíduo, fenomenalmente encontrará sua verdade.


Referência bibliográfica:

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Tradução: Adail Ubirajara Sobral. 10. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997, 414 p.

CASTAÑON, Gustavo. Introdução à espistemologia. São Paulo: EPU, 2007, 134 p.

PRADO JUNIOR, Caio. Dialética do conhecimento-Tomo II. História da dialética; lógica dialética. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1955, 435 p.

Armando Poli Junior