domingo, 29 de abril de 2012

Os tijolinhos de Nietzsche



Introdução
           Sempre quando escrevemos sobre Friedrich Wilhelm Nietzsche1(1844-1900) dentro de um contexto metafísico tal tarefa é por demais dolorosa; porém a complexidade de Nietzsche é tal que nos sentimos espantosamente atraídos a, pelo menos, ser feita uma singela indicação, pelo texto que segue, para contemporizarmos Nietzsche. Contudo será tanto mais difícil a tarefa de cifrar Nietzsche a um texto, quanto, porém com aquela grande característica indelével, nos considerarmos batizados como nietzschianos.
 
Figura 1
Removendo os tijolinhos
          É de se esperar que Nietzsche seja considerado como portador de uma metralhadora que pretende destruir o pensamento metafísico até então vigente em sua época. Porém tal consideração pode ser muito prejudicial ao entendimento que pretendamos buscar sobre Nietzsche, visto que é um pesquisador e como um pesquisador-filólogo suas palavras não podem ser uma metralhadora, uma vez que, para tal metáfora seria ridículo trocar um humanista como Nietzsche por um militar crente no poder coercitivo que suas armas podem causar. Mesmo assim metralhar a histórica metafísica seria um procedimento um tanto antiético para Nietzsche e que por isso não poderia nunca justificar sua conduta à moral que carregava consigo. Assim vai Nietzsche estudando as bases formadoras dos primeiros pensamentos metafísicos. A necessidade de relatar suas observações à medida que ia retirando cada elemento da casa metafísica é com certeza a mesma medida que se transformava de filólogo em filósofo. Cada elemento, ou cada tijolinho que cuidadosamente retirava era para conhecer sua estrutura, sua natureza. Então, o destruir não deve ser para Nietzsche uma premeditação coercitiva àquela casa, mas conhecê-la, estudá-la e para tornar-se cada vez mais lógico, Nietzsche, deveria também reconstruí-la, se não identicamente, mas muito similar, mas agora com um algo a mais: ele mesmo. A nova casa estaria, então, imbuída do próprio Nietzsche; seu objetivo era um novo fenômeno, não mais a metafísica como se nos apresenta, mas a metafísica como o sujeito se fenomena nela.
          Poderá ser interessante entender-se porque Nietzsche foi contra, por exemplo, à metafísica de Platão:
Nietzsche se encontrava no limiar de uma experiência do mundo em que, como conseqüência [sic] dos progressos do conhecimento, noções como Verdade, Falsidade, Justiça, Bem, Mal, Virtude tinham sido relativizadas, não podendo mais responder a nossa eterna pergunta pelo sentido da existência.” (GIACOIA JUNIOR, 2000, p. 10)
          Os conceitos são para Nietzsche o ponto nevrálgico onde elabora sua estratégia crítica que se dará porque os entende como relativizados, banalizados, uma vez que, o mundo os tratou não como realidade e inerente do nascimento ao perecimento de uma vida humana ao longo de seu desenvolvimento metafísico-filosófico, mas como um ideal-imaginário um tanto quanto histórico, e por causa deste “um tanto quanto histórico”, seriam assumidos tais conceitos como reais e consequentemente, próximos ao Absoluto. Sobre as metafísicas que o homem vai desenvolvendo ao longo de sua existência, vão sendo criados certos conceitos sobre valores absolutos. Entretanto para Nietzsche estes conceitos sobre valores absolutos, desde aquela original metafísica de Platão, nunca poderiam correr o risco de perderem seus significados por causa do progresso do conhecimento humano. Nietzsche vai à busca da resignificação do homem; desconstrói a metafísica de Platão para assegurar a certeza do destino do homem:
“Não se pode, porém, extrair as últimas conclusões desse impulso crítico sem retomar á sua origem, isto é, para Nietzsche, a metafísica de Platão. Por essa razão, uma das primeiras e mais fundamentais tarefas que Nietzsche se atribui é a de refutar e destruir a metafísica platônica.” (GIACOIA JUNIOR, 2000, p. 12)
          Careceria neste ponto indagar ao comentador Giacoia Junior se seria intenção verdadeira de Nietzsche destruir a metafísica platônica e se, se fosse realmente esta sua intenção, então o comentador deveria refutar o próprio Nietzsche, uma vez que, Nietzsche seria contraditório por deixar de imaginar que algum dia alguém destruísse seu próprio pensamento metafísico. Nisto me valho de uma oportuna consideração que Matos Júnior relembra: “[...] ninguém rejeita impunemente a metafísica. Quem a nega cai na contradição de ter de supô-la no ato mesmo da pretença negação”. (2009) É claro que poderemos em outra sequência criticarmos se este negar à Nietzsche poderia ser considerado como o destruir de Giacoia Junior. Mas, por hora deve ser entendível que para um público ainda jovial, muitos querem fazer descer goela abaixo um Nietzsche destruidor e isto após aprofundados estudos se percebe o contrário em razão de que Nietzsche lidava com outra realidade: o mundo sensível, caótico e heraclitiano.

Cuidando dos tijolinhos
          Da casa, só restaram pilhas e pilhas de tijolinhos, além de outros elementos. Nietzsche vai reconstruir a casa, mas agora cada tijolinho tem que ter as cinzas da Fênix. Nietzsche tem de se tornar impregnável nos tijolinhos e além do mais tem de levar consigo as cinzas da Fênix. Estas cinzas são o puro pensamento schopenhaueriano que inicia um renascer da Metafísica a partir do próprio Schopenhauer quando este se detém naquilo que a introdução da Crítica da Razão Pura se limitava:
"Entretanto, na primeira parte da Metafísica, esta dedução da nossa faculdade de conhecer a priori conduz a um estranho resultado aparentemente muito prejudicial ao inteiro fim da mesma e do qual se ocupa sua segunda parte, a saber, que com esta faculdade JAMAIS PODEMOS ULTRAPASSAR OS LIMITES DA EXPERIÊNCIA POSSÍVEL [maiúsculas nossa], o que é justamente a ocupação desta ciência [a Metafísica]." (Kant, Os pensadores, 1999, p.40)
          Nietzsche não pode simplesmente triturar o tijolinho removido e reconstruir outro do seu jeito. Nietzsche tem de se fazer nele sem triturá-lo, sem destruí-lo. Nietzsche parece saber que todos os pensamentos sobre metafísica representavam a vontade própria de cada um de seus pensadores, porém agora era necessário mais: os tijolinhos deveriam conter uma vontade de poder. Isto significará que Nietzsche vai tornar possível a metafísica ser conhecida de uma maneira diferente do que até então se conhecia. Uma vontade prenha de existência e potencializada de uma moral muito mais válida. Nietzsche usa de uma estratégia muito simples, que é anular a compreensão dos tijolinhos como elementos de uma casa realizável pelo inteligível, pelo cosmos e por Deus. Simplesmente Nietzsche anula, isto é, por niilismo vai resignificar a matéria tijolinho. Embora encontrada solução simplista, porém existe para tal solução um alto preço a ser pago: Nietzsche tem de se reconsiderar em cada tijolinho, isto é, apresentar-se a si mesmo como um homem que deve mergulhar na lama, no submundo, no caos: esta é a única via para o acesso à Coisa em Si de Kant.

Conclusão
          Começar a entender Nietzsche por sua metafísica requer alguns entendimentos preliminares sobre circunstâncias que ainda estão fora de suas obras, isto é, torna-se muito importante entender o contexto histórico-cronológico das principais dúvidas dos pensadores até Nietzsche. Aqui se apresentam condições apenas muitíssimas pequenas, mas que podem dar outra perspectiva para nós infantes filósofos enquanto nos dispomos a compreender Nietzsche. Do contrário caso se queira compreender Nietzsche iniciando diretamente em suas obras, tal forma, como obtusa e dogmática, pode estar se incorrendo num erro crucial para um discípulo de Zaratustra: deixar de mergulhar na lama, no submundo, no caos.

Referências
Bibliográficas:
KANT, Immanuel. Os pensadores. Tradução: Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
E-referências:
Figura 1 – Nietzsche: disponível em : http://e-ducation.net/philosophers/Nietzsche.jpg (acesso em: 29 abril 2012).
GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. pt.scribd.com. 2000. http://pt.scribd.com/doc/21555910/oswaldo-giacoia-jr-nietzsche-colecao-folha-explica-doc-rev (acesso em 21 de mar de 2012).
MATOS JR, Elílio de Faria. 2009. http://padreelilio.blogspot.com.br/2009/12/kant-e-o-fim-da-metafisica.html (acesso em 21 de mar de 2012).

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Bertrand Russel – Detonação da Semântica da Denotação

Introdução
          A semântica de Russell usa semelhante teoria de Frege[1] (sobre o sentido e referência) no que concerne a não ser contrário à lei da contradição. Entretanto, ao longo de sua exposição semântica de sua obra “Da Denotação”[2] veremos que Russel divergiu da teoria de Frege.
          Veremos também que o propósito de Russell é eliminar por meio de uma redução aquela perspectiva pela qual as expressões denotativas (ou frases descritivas definidas[3]) expressam um significado e denotam uma denotação.
          Por fim uma exemplificação pode dar noção de quanto é importante e proveitoso o estudo desta filosofia que Russell brilhantemente inaugura a partir de seu Paradoxo da Denotação.
O caminho de Russell
          A lógica é mesmo um desses caminhos que a única peculiaridade deste mesmo caminho é que sabemos que ele existe. Também sabemos que este caminho não possui nenhum mapa e por último, só podemos conhecê-lo se o experenciarmos. Talvez seja esta a característica empirística utilizado por Russell ao longo de sua vida.
          A leitura do texto de Russell de como ele resolve o Paradoxo da Denotação deve acontecer por um sentido especial, isto é, do leitor para com a obra, relendo trechos, indo mais a frente, voltando um pouco atrás, ligando frases, riscando o livro, escrevendo num papel, usando a borracha e, o mais importante, constantemente devendo auto perguntar-se, sempre. Desvios não levarão a lugar algum. Deve-se encarar o caminho sem medo e com bom ânimo para vencer as etapas de seus procedimentos ou sequências que por estarem sempre ligadas umas as outras, nos fazem mover os pés, como quando lembramos a primeira vez que pedalamos uma bicicleta. Notemos que para o Ser humano e sua natureza de andar não são nunca lembrados seus primeiros passos, mas nem por isso não devemos pensar que o ser humano, em sua natureza, não se tenha usado de uma lógica para estes primeiros passos: lógica inata que alguns desistem de pedalar pelo medo, não ao simples ato de pedalar, mas pela surpresa em observarem que compreendem os movimentos de seu corpo que agora estão coordenados com o movimento da bicicleta.
          Assim é a leitura de Russell, pelo menos ao que parece ao sentarmos em sua bicicleta, ou em seus conceitos. Uma vez que Russell determine seu c entre aspas (“C”) vai então conceituá-lo com o símbolo Ҩ para elaborar seu teste lógico.
          Não podemos perder de vista que Russell pretende abandonar uma interpretação da denotação (ou referência[4]) como sendo algo que se subsista na própria expressão denotativa, isto é quando numa expressão denotativa, a denotação não denotar nada, Russell propõe [5]: “[...] abandonar a perspectiva de que a denotação é o que se concerne nas proposições que contêm expressões denotativas [... esta] posição é defendida por mim.”
          Russell exercita o uso da lógica em suas expressões. Talvez com isso Russell esteja por demonstrar uma prova lógica a uma expressão de fundo linguístico. Isto significa que Russell está executando uma verdadeira filosofia da linguagem; até mesmo pela afirmação sobre “C” que chega a fazer [6]: “Assim ‘C’, que é o que usamos quando queremos falar do significado, não deve ser o significado, mas algo que denota o significado.”
A Prova pelo teste lógico.
          Se existe um ‘único’ x tal que F de x então a expressão denotativa é válida. É válida até porque pode ser destacado este ‘único’ como resultado de uma busca que nossa função, acima descrita, exerce para denotar um significado e mostrar que este significa não é contraditório em razão de que ele existe.
          Contudo, se este ‘único’ x da função que se busca não existe, então ele não pode ser ‘não contraditório’, uma vez que, como vimos, este ‘único’ x não existe. Ora, se não existe então como poderá ser alguma coisa? Em vão será qualquer esforço para se denotar um significado.
          A grande charada deste caminho lógico russeliano parece prender-se a validarmos este não existir de Ҩ através não mais da redução de Scott, mas agora pelo uso de uma ‘expressão significativa’, isto é, de uma expressão que dê o significado necessário que a expressão denotativa requer, tornando assim aquele não existir de Ҩ como podendo ser verdadeiro. Afinal a não existência de algo pode ser mesma que a falsa existência do mesmo algo, apenas e tão somente se considerarmos a peculiaridade de como ocorre este algo em toda a ‘expressão significativa’ sempre a partir de uma expressão denotativa.
          O exemplo do “atual rei da França é careca” de Russell é transcrito para que possamos elaborar o parágrafo anterior:
“Assim, ‘o atual rei da França é careca’ é certamente falsa; e ‘o atual rei da França não é careca’ é falsa se significa
‘existe uma entidade que é agora rei da França e não é careca’, mas é verdadeira se significa
‘é falso que existe uma entidade que é agora rei da França e é careca.’[7]"
          Assim, o ‘rei da França’ que é a expressão denotativa é uma ocorrência primária e é sempre falsa porque vai denotar a sua existência e sabemos, é falsa.
          Porém, o ‘rei da França’, que como vimos é uma expressão denotativa, quando se torna uma ocorrência secundária é sempre verdadeira porque vai denotar sobre ser ‘careca’; afinal nunca soubemos de um rei da França que fosse careca, não é mesmo?
          Portanto, o ser da existência do rei da França é denotado por duas vias, a saber:
1ª a existência de ser como uma existência dada pelo predicado (primário);
2ª a existência do ser como o próprio predicado (secundário).

Conclusão
          Bertrand Russell deve ser lembrado como o primeiro ícone de uma filosofia da linguagem. Não podemos nos esquecer de Frege e sua valorosa contribuição e nem de Wittgenstein que o próprio Russell vai buscar subsídios para seu atomismo. Frege e Wittgenstein foram contemporâneos da fase inicial de Russell, mas é Russell que se debruça nos problemas da semântica por uma filosofia da linguagem e constrói, por assim dizer, a ciclovia de sua lógica pacifista.

Referências Bibliográficas
RUSSELL, B. Lógica e conhecimento. Tradução de Pablo Ruben Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1974. 426 p. Os pensadores vol. XLII.

E – referências
FREGE, F. L. G. Scridb. Sobre o sentido e a referência, 2009. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/56489804/Frege-Sobre-o-Sentido-e-a-Referencia>. Acesso em: 10 Março 2012. [in: ALCOFORADO, P. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cutrix, 1978. 160 p.].
KRAUSE, D. http://www.cfh.ufsc.br/~dkrause/. Universidade Federal de Santa Catarina, 13 Fevereiro 2009. Disponivel em: <http://www.cfh.ufsc.br/~dkrause/pg/cursos/Ontologia/TeoriaDescricoes.pdf>. Acesso em: 12 Fevereiro 2012.


[1]  (FREGE, 2009)
[2]  (RUSSELL, 1974)
[3]  (KRAUSE, 2009)
[4]  (FREGE, 2009)
[5]  (RUSSELL, 1974, p. 13)
[6]  Ibidem, p. 16
[7]  Ibidem, p. 18