sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Adorno e Horkheimer: Indústria Cultural: um recorte da Teoria Crítica[1]

Introdução
            Da obra Dialética do esclarecimento[2], que não obstante ao ano de sua publicação, 1944, poderá dela ser retirado – por uma análise atemporal e, portanto, que ainda pode nos dizer muito sobre nossa atualidade – a parte que descreve uma Indústria Cultural a qual é versada num capítulo com profundidade e maturidade filosófica ímpar, que se é difícil penetrar em suas entranhas, então, por outro lado, demonstra uma autêntica crítica indispensável para o Homem refletir sobre seu futuro, sobre sua evolução, não apenas para uma evolução tecnológica, mas tão mais para uma evolução tecnológica amparada por críticas que desnudem os por quês do próprio Homem fazer suas escolhas na sua busca por um futuro melhor. 
            A temática desta exposição trilhará um caminho apenas básico o que de maneira alguma poderá substituir a essência da obra de Frankfurt[3] a qual, para quem busque seu entendimento mais profícuo deverá lê-la de maneira diligente e também crítica.

Ideia marxista como ponto de partida
            Na obra Manuscritos econômico-filosóficos[4] Karl Marx chama de indústria material costumeira uma capacidade de atividade humana sob tal intensidade que inexoravelmente ao homem está ligada, convergindo à mesma atividade não só o próprio trabalho do homem, mas também a própria natureza sensível objetiva humana:
Na indústria material costumeira (que pode ser concebida como parte daquele movimento geral, do mesmo modo que se pode conceber este como uma parte particular da indústria, pois até agora toda atividade humana era trabalho, isto é, indústria, atividade alienada de si mesma) temos perante nós, sob a forma de objetos sensíveis, estranhos e úteis, sob a forma da alienação, as forças essenciais objetivadas do homem.  (MARX, 1974, Propriedade privada e comunismo, IX, p. 19)
            Esta é, pois, uma crítica que Marx faz ao capitalismo. Quando a convergência do produto resultante do trabalho e da natureza sensível do trabalhador não é voltada ao trabalhador em sua humanidade, então Marx diz se tratar de uma alienação, “[...] que é o processo pelo qual o homem se torna estranho para si mesmo, a ponto de não se reconhecer.” (ABBAGNANO, 2007, p. 27)

A indústria cultural
Será sob este aspecto de alienação que Adorno e Horkheimer irão estabelecer uma crítica contundente a um sistema que põe “[...] em funcionamento uma poderosa máquina: a indústria cultural”. (REALE e ANTISERI, 2006, p. 474) Este termo, indústria cultural, cunhado pelos autores, terá seu estudo por uma dialética negativa. Embora Adorno opte pela dialética hegeliana, vai divergir da dialética da síntese[5] de Hegel:
Adorno baseia-se na dialética da negação, na dialética negativa, isto é, na dialética que nega a identidade entre realidade e pensamento e que, portanto, desbarata as pretensões da filosofia de captar a totalidade do real [...] afirmando a não-identidade entre ser e pensamento é que se pode garantir a não camuflagem da realidade [...]  (REALE e ANTISERI, 2006, p. 472-473)
O capitalismo detém o poder. E o poder deve ser manifestado de algum modo a todos de maneira que todos almejem, utopicamente, o mesmo poder; a ele um sentido de valor é massificado, isto é, todos podem ter a chance de tê-lo sob várias e diversas coisas. Aquele mesmo poder deve padronizar comportamentos. Modelos devem ser buscados para gerar necessidades e mesmas necessidades uniformizam linguagens para poderem pleitear através do direito objetivo[6]:
A indústria cultural realizou maldosamente o homem como ser genérico. Cada um é tão-somente [sic] aquilo mediante o que pode substituir todos os outros: ele é fungível, um mero exemplar. Ele próprio, enquanto indivíduo, é [sic] o absolutamente substituível, o puro nada [...] (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 120)

A razão instrumental
Assim, nesta possibilidade bem sucedida de crítica, Adorno e Horkheimer irão argumentando as bases, ou pilares da alienação humana por uma crítica à mídia de sua época, da qual se destacam: cinema, rádio e até televisão. Mas, importante agregar a este contexto a arte, visto que, para ele, “A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo [...] a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo [...]” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 111)
            Nesta grafia que se desenha a indústria cultural, deve haver uma sugestividade tal que seja razoável para ser admitida universalmente. Assim, não importará se é uma falsidade se obtiver aceitação por todos; basta haver uma razão, não aquela suficiente[7], mas outra: uma razão fabricada. Do excerto que se segue poderá ser inferida esta ideia de razão fabricada como, por exemplo, a arte que vai ser desempenhada pela indústria cultural num papel manipulador, arte leve[8] ou diversão, e assim, por que não ser um instrumento de razão para poder ser admitida universalmente:
A pureza da arte burguesa, que se hipostasiou como reino da liberdade em oposição à práxis material, foi obtida desde o início ao preço da exclusão das classes inferiores, mas é à causa destas classes – a verdadeira universalidade – que a arte se mantém fiel exatamente pela liberdade dos fins da falsa universalidade. (Ibidem, p. 111)
Law (2009, p. 333) consegue uma conceituação mais próxima para esta razão instrumental: “a aceitação pressurosa e acrítica da ‘razão’ – que, em vez de ser uma força para a libertação, tornou-se hoje mais um mecanismo de controle social através da tecnologia”.

Conclusão
            Com temática rica, eloquente e grande profundidade argumentativa a obra de Adorno e Horkheimer, Dialética do esclarecimento (1985), poderia, neste estudo, ter o recorte da Indústria cultural da própria Dialética do esclarecimento (1985), uma vez que, o recorte dado a este tema foi da Teoria Crítica. Embora isto passe despercebido, deve ser considerado que o recorte trata de uma dialética, como visto, uma vez presumivelmente conhecida a fundamentação dialética de Adorno. Assim, se a crítica à Indústria cultural é dura e recrudescedora, então é possível amparar seus autores apenas e tão somente na dialética, certos de que esta crítica deve ser ampliada e não sugestionar uma constrangedora atitude de impô-la de qualquer maneira não se importando com os meios que se fizerem necessários a este fim. Não. Será pela dialética, mais especificamente do esclarecimento que a massa vai se tornando indivíduo e sendo indivíduo viva seu momento com humanidade até o último dia de sua vida.

Referência Bibliográfica

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. rev e ampl. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 1210 p.
ADORNO, T. L. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Tradução de Guido Antonio Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. 224 p.
LAW, S. Guia ilustrado Zahar: filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009. 352 p.
MARX, K. H. Os pensadores. Tradução de José Arthur Giannotti. São Paulo: Abril Culltural, v. XXXV, 1974. 416 p. [ Tit. curto: Manuscritos econômico-filosóficos; outros textos escolhidos ].
REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paulus, v. 6, 2006. 496 p.
SANTOS, I. E. D. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 7. ed. rev. e atualiz. Niterói: Impetus, 2010. 381 p.

E referência
WIKIPÉDIA. Escola de Frankfurt, 2012. Disponivel em: . Acesso em: 1º set. 2012.



[1] “Teoria crítica, que passou à história com a denominação de ‘Escola de Frankfurt’” (ABBAGNANO, 2007)
[2]  (ADORNO e HORKHEIMER, 1985)
[3] “A segunda fase da teoria crítica da Escola de Frankfurt se centra principalmente em dois trabalhos: Dialética do Esclarecimento (1944) de Horkheimer e Adorno e Minima Moralia (1951) de Adorno. [...] o Instituto deixou a Alemanha para Genebra antes de se mudar para Nova Iorque, em 1935, onde tornou-se afiliado da Universidade Columbia. [...]Foi apenas em 1953 que o Instituto foi formalmente restabelecido em Frankfurt. ” (WIKIPÉDIA, 2012)
[4]  (MARX, 1974)
[5]  Fenomenologia do espírito
[6]  “O que esta [a arte séria] perdeu em termos de verdade confere àquela [arte leve (diversão)] a aparência de um direito objetivo.[grifo nosso]” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 112)
[7] Razão suficiente, o mesmo que Fundamento.  (ABBAGNANO, 2007, p. 975)
[8] “Ela é a má consciência social da arte séria.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 112)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O conceito do Mapa Conceitual

Pôster apresentado em 15/09/2012 no Centro Universitário Claretiano, no polo de Campinas em razão do V ENCIC - Quinto Encontro Nacional Claretiano de Iniciação Científica.


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A hora e a vez de Immanuel Kant e as Possibilidades do Conhecimento

O mapa conceitual abaixo refere-se à pesquisa que atualmente estou exercitando:

domingo, 29 de abril de 2012

Os tijolinhos de Nietzsche



Introdução
           Sempre quando escrevemos sobre Friedrich Wilhelm Nietzsche1(1844-1900) dentro de um contexto metafísico tal tarefa é por demais dolorosa; porém a complexidade de Nietzsche é tal que nos sentimos espantosamente atraídos a, pelo menos, ser feita uma singela indicação, pelo texto que segue, para contemporizarmos Nietzsche. Contudo será tanto mais difícil a tarefa de cifrar Nietzsche a um texto, quanto, porém com aquela grande característica indelével, nos considerarmos batizados como nietzschianos.
 
Figura 1
Removendo os tijolinhos
          É de se esperar que Nietzsche seja considerado como portador de uma metralhadora que pretende destruir o pensamento metafísico até então vigente em sua época. Porém tal consideração pode ser muito prejudicial ao entendimento que pretendamos buscar sobre Nietzsche, visto que é um pesquisador e como um pesquisador-filólogo suas palavras não podem ser uma metralhadora, uma vez que, para tal metáfora seria ridículo trocar um humanista como Nietzsche por um militar crente no poder coercitivo que suas armas podem causar. Mesmo assim metralhar a histórica metafísica seria um procedimento um tanto antiético para Nietzsche e que por isso não poderia nunca justificar sua conduta à moral que carregava consigo. Assim vai Nietzsche estudando as bases formadoras dos primeiros pensamentos metafísicos. A necessidade de relatar suas observações à medida que ia retirando cada elemento da casa metafísica é com certeza a mesma medida que se transformava de filólogo em filósofo. Cada elemento, ou cada tijolinho que cuidadosamente retirava era para conhecer sua estrutura, sua natureza. Então, o destruir não deve ser para Nietzsche uma premeditação coercitiva àquela casa, mas conhecê-la, estudá-la e para tornar-se cada vez mais lógico, Nietzsche, deveria também reconstruí-la, se não identicamente, mas muito similar, mas agora com um algo a mais: ele mesmo. A nova casa estaria, então, imbuída do próprio Nietzsche; seu objetivo era um novo fenômeno, não mais a metafísica como se nos apresenta, mas a metafísica como o sujeito se fenomena nela.
          Poderá ser interessante entender-se porque Nietzsche foi contra, por exemplo, à metafísica de Platão:
Nietzsche se encontrava no limiar de uma experiência do mundo em que, como conseqüência [sic] dos progressos do conhecimento, noções como Verdade, Falsidade, Justiça, Bem, Mal, Virtude tinham sido relativizadas, não podendo mais responder a nossa eterna pergunta pelo sentido da existência.” (GIACOIA JUNIOR, 2000, p. 10)
          Os conceitos são para Nietzsche o ponto nevrálgico onde elabora sua estratégia crítica que se dará porque os entende como relativizados, banalizados, uma vez que, o mundo os tratou não como realidade e inerente do nascimento ao perecimento de uma vida humana ao longo de seu desenvolvimento metafísico-filosófico, mas como um ideal-imaginário um tanto quanto histórico, e por causa deste “um tanto quanto histórico”, seriam assumidos tais conceitos como reais e consequentemente, próximos ao Absoluto. Sobre as metafísicas que o homem vai desenvolvendo ao longo de sua existência, vão sendo criados certos conceitos sobre valores absolutos. Entretanto para Nietzsche estes conceitos sobre valores absolutos, desde aquela original metafísica de Platão, nunca poderiam correr o risco de perderem seus significados por causa do progresso do conhecimento humano. Nietzsche vai à busca da resignificação do homem; desconstrói a metafísica de Platão para assegurar a certeza do destino do homem:
“Não se pode, porém, extrair as últimas conclusões desse impulso crítico sem retomar á sua origem, isto é, para Nietzsche, a metafísica de Platão. Por essa razão, uma das primeiras e mais fundamentais tarefas que Nietzsche se atribui é a de refutar e destruir a metafísica platônica.” (GIACOIA JUNIOR, 2000, p. 12)
          Careceria neste ponto indagar ao comentador Giacoia Junior se seria intenção verdadeira de Nietzsche destruir a metafísica platônica e se, se fosse realmente esta sua intenção, então o comentador deveria refutar o próprio Nietzsche, uma vez que, Nietzsche seria contraditório por deixar de imaginar que algum dia alguém destruísse seu próprio pensamento metafísico. Nisto me valho de uma oportuna consideração que Matos Júnior relembra: “[...] ninguém rejeita impunemente a metafísica. Quem a nega cai na contradição de ter de supô-la no ato mesmo da pretença negação”. (2009) É claro que poderemos em outra sequência criticarmos se este negar à Nietzsche poderia ser considerado como o destruir de Giacoia Junior. Mas, por hora deve ser entendível que para um público ainda jovial, muitos querem fazer descer goela abaixo um Nietzsche destruidor e isto após aprofundados estudos se percebe o contrário em razão de que Nietzsche lidava com outra realidade: o mundo sensível, caótico e heraclitiano.

Cuidando dos tijolinhos
          Da casa, só restaram pilhas e pilhas de tijolinhos, além de outros elementos. Nietzsche vai reconstruir a casa, mas agora cada tijolinho tem que ter as cinzas da Fênix. Nietzsche tem de se tornar impregnável nos tijolinhos e além do mais tem de levar consigo as cinzas da Fênix. Estas cinzas são o puro pensamento schopenhaueriano que inicia um renascer da Metafísica a partir do próprio Schopenhauer quando este se detém naquilo que a introdução da Crítica da Razão Pura se limitava:
"Entretanto, na primeira parte da Metafísica, esta dedução da nossa faculdade de conhecer a priori conduz a um estranho resultado aparentemente muito prejudicial ao inteiro fim da mesma e do qual se ocupa sua segunda parte, a saber, que com esta faculdade JAMAIS PODEMOS ULTRAPASSAR OS LIMITES DA EXPERIÊNCIA POSSÍVEL [maiúsculas nossa], o que é justamente a ocupação desta ciência [a Metafísica]." (Kant, Os pensadores, 1999, p.40)
          Nietzsche não pode simplesmente triturar o tijolinho removido e reconstruir outro do seu jeito. Nietzsche tem de se fazer nele sem triturá-lo, sem destruí-lo. Nietzsche parece saber que todos os pensamentos sobre metafísica representavam a vontade própria de cada um de seus pensadores, porém agora era necessário mais: os tijolinhos deveriam conter uma vontade de poder. Isto significará que Nietzsche vai tornar possível a metafísica ser conhecida de uma maneira diferente do que até então se conhecia. Uma vontade prenha de existência e potencializada de uma moral muito mais válida. Nietzsche usa de uma estratégia muito simples, que é anular a compreensão dos tijolinhos como elementos de uma casa realizável pelo inteligível, pelo cosmos e por Deus. Simplesmente Nietzsche anula, isto é, por niilismo vai resignificar a matéria tijolinho. Embora encontrada solução simplista, porém existe para tal solução um alto preço a ser pago: Nietzsche tem de se reconsiderar em cada tijolinho, isto é, apresentar-se a si mesmo como um homem que deve mergulhar na lama, no submundo, no caos: esta é a única via para o acesso à Coisa em Si de Kant.

Conclusão
          Começar a entender Nietzsche por sua metafísica requer alguns entendimentos preliminares sobre circunstâncias que ainda estão fora de suas obras, isto é, torna-se muito importante entender o contexto histórico-cronológico das principais dúvidas dos pensadores até Nietzsche. Aqui se apresentam condições apenas muitíssimas pequenas, mas que podem dar outra perspectiva para nós infantes filósofos enquanto nos dispomos a compreender Nietzsche. Do contrário caso se queira compreender Nietzsche iniciando diretamente em suas obras, tal forma, como obtusa e dogmática, pode estar se incorrendo num erro crucial para um discípulo de Zaratustra: deixar de mergulhar na lama, no submundo, no caos.

Referências
Bibliográficas:
KANT, Immanuel. Os pensadores. Tradução: Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
E-referências:
Figura 1 – Nietzsche: disponível em : http://e-ducation.net/philosophers/Nietzsche.jpg (acesso em: 29 abril 2012).
GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. pt.scribd.com. 2000. http://pt.scribd.com/doc/21555910/oswaldo-giacoia-jr-nietzsche-colecao-folha-explica-doc-rev (acesso em 21 de mar de 2012).
MATOS JR, Elílio de Faria. 2009. http://padreelilio.blogspot.com.br/2009/12/kant-e-o-fim-da-metafisica.html (acesso em 21 de mar de 2012).

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Bertrand Russel – Detonação da Semântica da Denotação

Introdução
          A semântica de Russell usa semelhante teoria de Frege[1] (sobre o sentido e referência) no que concerne a não ser contrário à lei da contradição. Entretanto, ao longo de sua exposição semântica de sua obra “Da Denotação”[2] veremos que Russel divergiu da teoria de Frege.
          Veremos também que o propósito de Russell é eliminar por meio de uma redução aquela perspectiva pela qual as expressões denotativas (ou frases descritivas definidas[3]) expressam um significado e denotam uma denotação.
          Por fim uma exemplificação pode dar noção de quanto é importante e proveitoso o estudo desta filosofia que Russell brilhantemente inaugura a partir de seu Paradoxo da Denotação.
O caminho de Russell
          A lógica é mesmo um desses caminhos que a única peculiaridade deste mesmo caminho é que sabemos que ele existe. Também sabemos que este caminho não possui nenhum mapa e por último, só podemos conhecê-lo se o experenciarmos. Talvez seja esta a característica empirística utilizado por Russell ao longo de sua vida.
          A leitura do texto de Russell de como ele resolve o Paradoxo da Denotação deve acontecer por um sentido especial, isto é, do leitor para com a obra, relendo trechos, indo mais a frente, voltando um pouco atrás, ligando frases, riscando o livro, escrevendo num papel, usando a borracha e, o mais importante, constantemente devendo auto perguntar-se, sempre. Desvios não levarão a lugar algum. Deve-se encarar o caminho sem medo e com bom ânimo para vencer as etapas de seus procedimentos ou sequências que por estarem sempre ligadas umas as outras, nos fazem mover os pés, como quando lembramos a primeira vez que pedalamos uma bicicleta. Notemos que para o Ser humano e sua natureza de andar não são nunca lembrados seus primeiros passos, mas nem por isso não devemos pensar que o ser humano, em sua natureza, não se tenha usado de uma lógica para estes primeiros passos: lógica inata que alguns desistem de pedalar pelo medo, não ao simples ato de pedalar, mas pela surpresa em observarem que compreendem os movimentos de seu corpo que agora estão coordenados com o movimento da bicicleta.
          Assim é a leitura de Russell, pelo menos ao que parece ao sentarmos em sua bicicleta, ou em seus conceitos. Uma vez que Russell determine seu c entre aspas (“C”) vai então conceituá-lo com o símbolo Ҩ para elaborar seu teste lógico.
          Não podemos perder de vista que Russell pretende abandonar uma interpretação da denotação (ou referência[4]) como sendo algo que se subsista na própria expressão denotativa, isto é quando numa expressão denotativa, a denotação não denotar nada, Russell propõe [5]: “[...] abandonar a perspectiva de que a denotação é o que se concerne nas proposições que contêm expressões denotativas [... esta] posição é defendida por mim.”
          Russell exercita o uso da lógica em suas expressões. Talvez com isso Russell esteja por demonstrar uma prova lógica a uma expressão de fundo linguístico. Isto significa que Russell está executando uma verdadeira filosofia da linguagem; até mesmo pela afirmação sobre “C” que chega a fazer [6]: “Assim ‘C’, que é o que usamos quando queremos falar do significado, não deve ser o significado, mas algo que denota o significado.”
A Prova pelo teste lógico.
          Se existe um ‘único’ x tal que F de x então a expressão denotativa é válida. É válida até porque pode ser destacado este ‘único’ como resultado de uma busca que nossa função, acima descrita, exerce para denotar um significado e mostrar que este significa não é contraditório em razão de que ele existe.
          Contudo, se este ‘único’ x da função que se busca não existe, então ele não pode ser ‘não contraditório’, uma vez que, como vimos, este ‘único’ x não existe. Ora, se não existe então como poderá ser alguma coisa? Em vão será qualquer esforço para se denotar um significado.
          A grande charada deste caminho lógico russeliano parece prender-se a validarmos este não existir de Ҩ através não mais da redução de Scott, mas agora pelo uso de uma ‘expressão significativa’, isto é, de uma expressão que dê o significado necessário que a expressão denotativa requer, tornando assim aquele não existir de Ҩ como podendo ser verdadeiro. Afinal a não existência de algo pode ser mesma que a falsa existência do mesmo algo, apenas e tão somente se considerarmos a peculiaridade de como ocorre este algo em toda a ‘expressão significativa’ sempre a partir de uma expressão denotativa.
          O exemplo do “atual rei da França é careca” de Russell é transcrito para que possamos elaborar o parágrafo anterior:
“Assim, ‘o atual rei da França é careca’ é certamente falsa; e ‘o atual rei da França não é careca’ é falsa se significa
‘existe uma entidade que é agora rei da França e não é careca’, mas é verdadeira se significa
‘é falso que existe uma entidade que é agora rei da França e é careca.’[7]"
          Assim, o ‘rei da França’ que é a expressão denotativa é uma ocorrência primária e é sempre falsa porque vai denotar a sua existência e sabemos, é falsa.
          Porém, o ‘rei da França’, que como vimos é uma expressão denotativa, quando se torna uma ocorrência secundária é sempre verdadeira porque vai denotar sobre ser ‘careca’; afinal nunca soubemos de um rei da França que fosse careca, não é mesmo?
          Portanto, o ser da existência do rei da França é denotado por duas vias, a saber:
1ª a existência de ser como uma existência dada pelo predicado (primário);
2ª a existência do ser como o próprio predicado (secundário).

Conclusão
          Bertrand Russell deve ser lembrado como o primeiro ícone de uma filosofia da linguagem. Não podemos nos esquecer de Frege e sua valorosa contribuição e nem de Wittgenstein que o próprio Russell vai buscar subsídios para seu atomismo. Frege e Wittgenstein foram contemporâneos da fase inicial de Russell, mas é Russell que se debruça nos problemas da semântica por uma filosofia da linguagem e constrói, por assim dizer, a ciclovia de sua lógica pacifista.

Referências Bibliográficas
RUSSELL, B. Lógica e conhecimento. Tradução de Pablo Ruben Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1974. 426 p. Os pensadores vol. XLII.

E – referências
FREGE, F. L. G. Scridb. Sobre o sentido e a referência, 2009. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/56489804/Frege-Sobre-o-Sentido-e-a-Referencia>. Acesso em: 10 Março 2012. [in: ALCOFORADO, P. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cutrix, 1978. 160 p.].
KRAUSE, D. http://www.cfh.ufsc.br/~dkrause/. Universidade Federal de Santa Catarina, 13 Fevereiro 2009. Disponivel em: <http://www.cfh.ufsc.br/~dkrause/pg/cursos/Ontologia/TeoriaDescricoes.pdf>. Acesso em: 12 Fevereiro 2012.


[1]  (FREGE, 2009)
[2]  (RUSSELL, 1974)
[3]  (KRAUSE, 2009)
[4]  (FREGE, 2009)
[5]  (RUSSELL, 1974, p. 13)
[6]  Ibidem, p. 16
[7]  Ibidem, p. 18

quarta-feira, 14 de março de 2012

a      e      b
a   pergunta: O objeto que Frege[1] via, existia? Ele era realmente o que Frege via?
b   responde: Sim, existia; sim era.
a   exclamando, pergunta: Então, prove!? Mas prove pelo uso de uma linguagem.
b responde: Não sei como provar, porque me faltam definições adequadas de elementos para compor o compreensível sobre – do primeiro que parte e aos outros que se seguem – um algo que tenha maneira de ser expresso mais facilmente com um lápis e papel do que com o uso de vogais e consoantes na oralidade.
a  colabora: Sua dificuldade pode ter origem em algo que Frege já havia pensado. Mas, o que Frege visava como objetivo de suas investigações não era a linguagem; Frege visava outra coisa como a Aritmética, a qual tivesse seus princípios e conceitos integrados a princípios e conceitos puramente lógicos (ABBAGNANO, 2007, p. 725). É claro que para chegar a este fim precisou, durante o seu logicismo[2], elaborar solução para o problema que é o motivo de nossa conversa.
b  exclama: Grande  “ a ”, você tem mesmo tudo dentro de sua cabeça.
a  : Pois é né. Ainda mais, Frege estava criando por tabela a nossa Linguagem Lógica.
b : Então tá! Como sou eu mesmo que deverei responder a prova que me propõe, então farei de tudo para demonstrar através de certos conceitos, tudo aquilo que você tem dentro da sua cabeça. Bem primeiro devo admitir os conceitos mais importantes: sentença, sentido, referência e valor de verdade.
a  : você está indo muito bem, mas como vai demonstrar a relação entre eles?
b : com a lógica, é claro. Veja: “[...] a referência de uma sentença é seu valor de verdade, então este tem de permanecer inalterado, quando uma parte da sentença for substituída por uma expressão que tenha a mesma referência, mas sentido diverso.” (FREGE, 2009, p. 70)
a  então intervém: Mas penso estar faltando algo. Você admitiu sentença, por exemplo. Ora, penso que a sentença tem sujeito e predicado. Onde eles estão? Se for linguagem, temos necessariamente que falar do sujeito e do predicado.
b  : sujeito e predicado dizem respeito ao pensamento. O que estou querendo explicar são conceitos lógicos e não conceitos de pensamento. Precisamos dos conceitos lógicos que descreverei para obtermos algum conhecimento[3]. Assim, os conceitos que admiti servem para uma suposição lógica e vão dizer, principalmente, respeito ao valor de verdade da referência, contudo, você precisa me ajudar a pensar porque se em minha demonstração lógica eu ficar preso somente à “referência” de uma sentença, então esta sentença poderá ser verdadeira ou falsa e isto não nos poderá em muito ajudar a provar se o que Frege via era o que realmente ele via.
a   :  Então, mais correto é se fizermos juntos “[...] uma trajetória de um pensamento para o seu valor de verdade.”[4]
b  : Ok! Entendi. Juízos. Faremos um julgamento, certo!?
a  : Mas como teremos razoável certeza de que fizemos o juízo correto?
b  : Não há problema algum. Basta que para isso verifiquemos cada sentido e se isto ainda não for suficiente, então poderemos analisar substituições de parte da sentença não mais por outra parte, mas por outra sentença inteira; daí...
a  : Espere, espere. Sentido!? Que sentido? Nem resolvemos ainda a parte do sentido e você já quer ir se adiantando nas sentenças subordinadas?
b  : Estava empolgado, me desculpe. Já estava me esquecendo de demonstrar o que me prometi provar então veja o quadro abaixo:
a  : Caro “ b ” ! Mesmo assim, ainda não conseguiu me provar a existência do que Frege via! Muito embora tenha demonstrado seus conceitos acerca do que se passava em minha cabeça. Por isso acho que nunca poderei sozinho resolver a dúvida sobre a prova da existência de algo ou se o que vejo é o que realmente vejo, mas com você me ajudando poderemos não apenas provar, mas ainda estabelecer muitas outras...
b  : Calminha aí,“ a ”, ainda somos iguais[5] !

                                                                             ___________//___________

Referências Bibliográficas:
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. rev e ampl. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 1210 p.
E - referências:
FREGE, F. L. G. Scridb. Sobre o sentido e a referência, 2009. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/56489804/Frege-Sobre-o-Sentido-e-a-Referencia>. Acesso em: 10 Março 2012. [in: ALCOFORADO, P. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cutrix, 1978. 160 p.].
WIKIPÉDIA. Gottlob Frege, 2012. Disponivel em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Gottlob_Frege>. Acesso em: 13 Março 2012.


[1] Friedrich Ludwig Gottlob Frege (*8 de novembro de 1848;  +26 de julho de 1925) foi um matemático, lógico e filósofo alemão. (WIKIPÉDIA, 2012)
[2] (ABBAGNANO, 2007, p. 727)
[3] (FREGE, 2009, p. 70)
[4] Ibidem
[5] “Se a=b, então realmente a referência de ‘b’ é a mesma que a de ‘a’, e portanto, também o valor de verdade de ‘a=b’ é o mesmo que o de ‘a=a’. Apesar disto, o sentido de ‘b’ pode diferir do de ‘a’ e, portanto, o pensamento expresso por ‘a=b’ pode diferir do expresso por ‘a=a’; neste caso, as duas sentenças não têm o mesmo valor cognitivo. Se, como anteriormente, entendemos por ‘juizo’ a trajetória do pensamento para seu valor de verdade, podemos dizer que os juízos são diferentes.” (FREGE, 2009, p. 86)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Paideia da filosofia da linguagem

               Poderemos entender o papel da Linguagem na Filosofia, a partir de seu desenvolvimento histórico desde a antiguidade. Se o diálogo Crátilo de Platão é tido como o início de um estudo sobre a Filosofia da Linguagem, então poderemos pinçar da Paideia de Jaeger pontos que elucidam o nascimento da linguagem filosófica: “Já antes de se aproximar de Sócrates, quer dizer, em idade muito cedo, Platão recebera os ensinamentos filosóficos de Crátilo, sequaz [seguidor assíduo] de Heráclito.” (JAEGER, 2010, p. 595) Porém, mais tarde, Platão começa a seguir Sócrates [(Parmênides)] e isto vai repercutir no próprio Platão um dilema que ele só vai conseguir superar com sua teoria das ideias. Os diálogos platônicos serão a maneira como Platão poderá manter viva a chama investigativa da verdade socrática:
“Não é só num diálogo, mas normalmente em todos estes diálogos curtos, que falta a conclusão esperada e no final se levanta uma interrogação; esta observação, porém gera no leitor uma tensão de espírito filosófica de uma eficácia altamente educativa.” (JAEGER, 2010, p. 597)
               Ao atribuirmos a origem da Filosofia da Linguagem a Platão, nós não devemos pensar que Crátilo é a obra que, exclusivamente, irá fundar a Filosofia da Linguagem. Crátilo, apenas tentará mais uma vez explicar a estrutura básica ou a espinha dorsal do idealismo platônico: sua linguagem dialética. Mas, continuaremos atribuindo a origem da Filosofia da Linguagem a Platão enquanto sua linguagem dialética significar uma linguagem pedagógica, o que sabemos, bem da verdade, que é. Assim, se perseguirmos esta pedagogia platônica a ponto de nos aprofundarmos cada vez mais em própria dialética (ou a partir dela), não apenas na obra Crátilo, mas também em todos os diálogos platônicos que, só então, poderemos algum dia, chegarmos ao conhecimento de como funciona uma filosofia própria da linguagem. Platão sempre fomentará em seu leitor uma atitude de buscar, de se aproximar do ideal socrático, isto é, se aproximar do próprio Sócrates, seu mestre, como do próprio mundo das ideias:
“[...] as repetidas tentativas dos diálogos socráticos para se aproximarem cada vez mais do objetivo perseguido num esforço comum revelam a consumada maestria de Platão na arte pedagógica de despertar em nós esta participação ativa. [...] nosso pensamento [...] procura adiantar-se ao andamento da discussão; e Platão embora pareça colocar ponto final na conversa [...] consegue deste modo o efeito de procurarmos fazer o pensamento avançar por nossa conta [...] com isso pretende é pôr-nos nas mãos um enigma, deixando a nós resolvê-lo, pois [Platão] entende que a sua solução se encontra de um modo ou de outro ao nosso alcance.” (JAEGER, 2010, p. 597-598)
               É de se concluir partindo desta visão de Jaeger que a obra Crátilo foi uma tentativa de Platão sobre o estudo filosófico da linguagem, porém Platão não encontra uma solução satisfatória sobre os nomes e seus significados, visto que, só consegue chegar até a dupla conclusão cratiliana, ou assim dizer abinguidades entre a natureza e a convenção dos nomes. Embora não atinja seu objetivo, restará a Platão, apenas, preservar a sua estrutura dialética de linguagem livre de qualquer adulteração, sempre como formato pedagógico da sua Academia.

Bibliografia:

JAEGER, W. Paidéia. Tradução de Artur M. Parreira. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 1413 p. [tit. curto: A formação do homem grego].